APL 1228 Ermida da Glória em Santo Espírito

Há muitos anos, uma pastorinha muito bondosa de Santo Espírito passava os dias a tomar conta das ovelhas e rezava para pedir a Deus e a Nossa Senhora que acabasse com as desavenças entre as famílias e principalmente que Santa Maria ficasse livre dos ataques dos piratas. Nas horas de descanso brincava alegremente com as amigas, mas nunca esquecia os seus deveres e o respeito aos pais e aos mais velhos.
 Um dia estava sozinha apascentando as suas ovelhas, como de costume, lá para o cabo da freguesia de Santo Espírito, num sítio isolado, sem casas, quando sentiu um estremecimento e viu junto de si, sobre umas roseiras bravas, uma nuvem branca, tão intensa que lhe perturbava a visão.
 Caiu de joelhos, meio desfalecida e ouviu uma voz que lhe dizia:
 — Diz ao teu vigário para aconselhar o seu povo a fazer penitência.
 Dizendo isto, a nuvem desfez-se com a rapidez de um relâmpago e a menina nada mais ouviu nem viu. Cativada pela voz e ao mesmo tempo amedrontada, a pequena correu para casa, timidamente disse à mãe o que tinha acontecido e pediu para a acompanhar e contar ao padre da freguesia o que a voz lhe pedira.
 O padre, ao ouvir tão estranho acontecimento, afastou a pastorinha e disse que poderia ter sido uma alucinação. As pessoas começaram a sussurrar e a menina sentia-se triste por não acreditarem no que tinha visto.
 Lá voltou dias depois com as suas ovelhas ao sítio das roseiras bravas e pediu a Nossa Senhora que fizesse com que o padre acreditasse nela. Sentiu então como que uma mão meiga e acariciante pousar-lhe na testa ao mesmo tempo que uma voz lhe dizia:
 — Vai e mostra o sinal para que acreditem em ti. Diz ainda que desejo que neste lugar seja edificada uma capela em minha honra. Em memória da minha passagem, brotará uma nascente de água pura que curará muitas enfermidades.
 A voz calou-se e a menina, embora receosa e cheia de vergonha, foi mais uma vez contar ao padre o que tinha acontecido. O vigário, ao verificar o sinal de três dedos de uma mão que tinha pousado na fronte da pastorinha, começou a acreditar.
 A notícia correu depressa e o povo acreditou. Lançou mão à obra e começou a edificar uma pequena ermida, mas em sítio diferente, que era mais indicado por ser de mais fácil acesso para as pessoas irem orar.
 Contudo, todas as manhãs, os materiais apareciam misteriosamente no lugar onde a menina tinha tido a visão e entenderam o acontecimento como um sinal.
 Decidiram construir a capela no local desejado por Nossa Senhora, no meio dos pastos, longe das casas. As obras começaram, mas com muito trabalho porque não havia água por perto. Quando a ermida estava construída mais ou menos até metade, a falta da água era tão grande que decidiram parar com a obra. Nessa noite rebentou uma nascente no lugar. Fez-se a ermida com muita alegria e devoção, a nascente ficou no interior da sacristia e a sua água era tão milagrosa que curou muitos doentes.
 Ainda hoje lá está a ermida de Nossa Senhora da Glória, em local isolado, longe do centro do povoado, para que as pessoas mostrem a sua verdadeira devoção, indo a pé até ao lugar. Na sacristia ainda corre a água saudável que cai numa pocinha.
 Os devotos vão lá em várias épocas do ano, mas é num dos domingos de Julho que o lugar se anima mais com pessoas vindas de toda a ilha agora já de carro, mas que têm de andar ainda largos metros a pé, por um caminho estreito, para visitarem a ermida e se deliciarem com as sopas de Espírito Santo que ali são servidas.

Source
FURTADO-BRUM, Ângela Açores: Lendas e outras histórias , Ribeiro & Caravana editores, 1999 , p.43-44
Place of collection
Santo Espírito, VILA DO PORTO, ILHA DE SANTA MARIA (AÇORES)
Narrative
When
20 Century, 90s
Belief
Unsure / Uncommitted
Classifications

Bibliography