APL 3324 Miragaia

Segundo a tradição, a origem d’este templo é a seguinte:
    Junto ao sitio onde hoje está fundado o sanctuario (a um tiro de espingarda de distancia) está uma boa quinta, que foi do capitão Alexandre da Costa, e proximo a ella um agradavel prado arborisado, regado por muitas fontes, que nascem na mesma quinta e vae terminar na estrada (que leva á capella) povoada toda de grandes nogueiras e castanheiros.
    N’esta mesma quinta (que é antiquissima), viviam, pelos annos 1300, Domingos Pires e sua mulher, Leonor Annes, ricos e muito caritativos proprietarios.
    […]
    Domingos Pires era um rico lavrador, senhor de muitas terras d’estes sitios, e tinha muitos gados.
    O sitio onde se edificou a capella da Piedade tinha antigamente o nome de Malhadinha, e a elle vinha Domingos Pires esperar o regresso dos seus gados.
    Diz a lenda que a Senhora appareceu a este virtuoso lavrador, por varias vezes, sobre um penhasco, no referido sitio da Malhadinha.
    Tratou logo Pires de edificar, no mesmo sitio, uma casa á Senhora, sob o titulo de Senhora da Piedade, e depois de construida a capella, foi a Coimbra, onde então havia bons esculptores, para encommendar a imagem, representando o trance doloroso em que tinha seu divino filho morto nos braços.
    Chegou á cidade, ao convento antigo de Santa Clara, que estava junto á ponte, e alli foi pousar a uma casa, que devia de ser hospedaria.
    Pouco tempo depois de aqui chegar, entraram dois formosissimos mancebos, que perguntando-lhe o motivo da sua ida a Coimbra, e sabido por elles, disseram a Pires que eram esculptores, e que se elle lhes quizesse encommendar a factura da imagem, não ficaria descontente; e que mesmo tinham já feitas algumas imagens, que lhe trariam para examinar, ao que Pires accedeu.
    No dia seguinte chegaram os dois esculptores com uma perfeitissima imagem da Santissima Virgem da Piedade, que mais parecia obra de anjos que de homens, e exactamente similhante á que lhe tinha apparecido na Malhadinha.
    Ficou Pires sobremaneira alegre e satisfeito, sem querer ver mais nenhuma imagem, perguntando logo quanto esta custava. Disseram os mancebos que ficasse com a imagem, e no dia seguinte viriam tratar do ajuste; mas não vieram e Pires os andou buscando dois dias pela cidade, sem d’elles poder obter a menor noticia, nem na hospedaria houve quem os visse entrar ou sahir.
    No fim de dois dias de buscas infructiferas, assentou Pires que os dois pretendidos esculptores eram anjos que lhe tinham dado a imagem, e tratou de a levar para a sua capella, para o que fretou um barco, e a levou pelo Mondego acima, até ao logar da Ceira, e ahi a collocou em um carro seu, levando-a para casa, até se concluir o seu altar.

Source
PINHO LEAL, Augusto Soares d'Azevedo Barbosa de Portugal Antigo e Moderno , Livraria Editora Tavares Cardoso & Irmão, 2006 [1873] , p.Tomo V, pp. 326-327
Place of collection
Miranda Do Corvo, MIRANDA DO CORVO, COIMBRA
Narrative
When
19 Century,
Belief
Unsure / Uncommitted
Classifications

Bibliography