APL 3501 Nossa Senhora do Fetal

No Reguengo do Fetal, concelho da Batalha, há uma igreja dedicada a Nossa Senhora da Fé, ou do Fetal, da qual uma lenda explica a origem. Há muitos anos atrás, num ano de seca e fome, andava uma criança a apascentar um minúsculo rebanho. A miúda chorava enquanto as ovelhas olhavam tristemente a terra ressequida, donde a custo tiravam umas ervas secas. Subitamente, surgiu de entre os fetos uma mulher, que perguntou à criança:
    — Porque estás tu a chorar?
    — Dói-me a barriga, tenho fome...
    — Vai pedir um bocado de pão à tua mãe!
    — Ora, já pedi! Mas lá em casa não há pão, não há nada para comer...!
    — Mas, olha, faz como eu te digo. Vai a casa outra vez e pede pão à tua mãe. Diz-lhe que vá à arca e lá encontrará pão para vocês. Diz-lhe também que quem to disse foi uma mulher que encontraste no campo, está bem?!
    A miúda obedeceu e voltou para casa deixando as poucas ovelhas ao cuidado da senhora. Bem sabia ela que em casa não havia nada para comer; mas, como tinha aprendido a não desobedecer aos crescidos, lá foi. Mas no fundo de si pensava ser em vão aquela caminhada debaixo de um sol abrasador que lhe queimava os pés.
    Chegada a casa, deu à mãe o recado que trazia. Desconfiada, a mulher zangou-se com ela por ter deixado o rebanho sozinho e mandou-a de volta. Porém, ante a insistência da miúda — que já chorava também de raiva por ver que a mãe não a acreditava —, a mulher decidiu ir à arca confirmar a existência dos pães. E, espantadíssima, mal levantou a tampa, deparou-se-lhe uma arca repleta de pão, um pão tão bom e saboroso que não podia ter sido amassado nesta terra. Pegou num dos pães e partiu-o ao meio, dando um naco à filha.
    A miúda, con o pão na mão, voltou dançarolando para o rebanho, de tal maneira que já nem parecia ter calor nem fome. Junto das ovelhas, encontrou a senhora, que a sorrir lhe perguntou:
    — Então, como te sentes agora?
    — Bem! Hum...! Este pão é tão bom!
    — Pois agora, que estás bem-disposta, tens de fazer-me um outro recado...
    — Está bem! Diz lá o que é?
    — Vais à tua aldeia e dizes aos vizinhos que eu sou a Mãe de Deus.
    — Não vão acreditar em mim...
    — Mas vais na mesma. E, se não te acreditarem, a tua mãe que te ajude!
    — E depois?
    — Depois diz-lhes que venham até aqui.
    — Para quê?
    — Porque quero que me façam aqui uma ermida!
    — Está bem! Então até logo...!
    A criança partiu acenando com a mão aquela mulher tão suave e que tanta paciência lhe mostrava. Quando chegou à curva do caminho virou-se para trás e disse um largo adeus à Senhora, que, mal ela desapareceu, desapareceu também.
    Chegada a aldeia, reuniu toda a gente conforme pôde, contou-lhes o que se passara e como a mãe de Deus estava à espera deles todos, entre os fetos. Depois de muitas hesitações, aquela gente, sem acreditar muito na miuda, decidiu que mesmo assim valia a pena ir ver se tudo aquilo era verdade ou mentira.
    No local dos fetos, nem sinal de Senhora alguma. Já meio zangados, iam voltar para a aldeia quando a menina, que andava espantadissima com o desaparecimento repentino da Mãe de Deus, encontrou entre os arbustos uma pequena imagem de pedra, de dois palmos, parecida com a Senhora, que falara com ela. E, cheia de alegria, mostrou-a a todos os incredulos, que já andavam dizendo que ela não estava boa da cabeça. Enquanto isso, do local onde a imagem tinha estado escondida, brotou uma fonte de águas fresquíssimas e milagrosas.
    A população do Reguengo apesar dos poucos meios de que dispunha, iniciou nesse mesmo dia a construção da ermida, ao lado da fonte. Terminada a obra, puseram lá dentro a pequena imagem daquela à qual chamaram, desde logo, Senhora do Fetal, em memoria do local onde havia sido achada.

Source
FRAZÃO, Fernanda Passinhos de Nossa Senhora - Lendário Mariano , Apenas Livros, 2006 , p.75-76
Place of collection
Reguengo Do Fetal, BATALHA, LEIRIA
Narrative
When
Belief
Unsure / Uncommitted
Classifications

Bibliography