APL 3198 [A lenda de Nossa Senhora das Mercês]

Conta-se que, por volta de 1590, alguns mouros assaltaram a costa setentrional de Peniche e roubaram quanto lhes foi possível, tendo levado como cativos alguns cristãos das imediações.
    Entre os objectos furtados contava-se uma imagem da Virgem, da invocação das Mercês, que se venerava na ermida do Baleal. Ora, certo dia, indo no seu barco, até Argel, um dos cristãos de Peniche que anos antes tinha sido feito prisioneiro viu, casualmente, em casa de um indígena, uma imagem da Virgem que reconheceu imediatamente como sendo a desaparecida Senhora das Mercês. Logo procurou entrar em negociações com o mouro, a fins de a poder resgatar; mas o nativo, ou por qualquer desconfiança ou por não querer satisfazer o desejo do cristão, tratou de dificultar a transacção, não aceitando qualquer quantia e propondo que o pagamento da imagem fosse feito precisamente pelo seu peso exacto, em prata.
    Não pôde o cristão, pela pobreza de meios de que dispunha, deixar de cair em desânimo frente a proposta tão insólita quão difícil de aceitar. Todavia, decerto inspirado, aceitou a oferta, ciente de que mais valeria isso a desistir pura e simplesmente; de resto, se fosse da vontade de Deus que a imagem da Senhora voltasse para a sua terra, Ele tudo resolveria pelo melhor.
    E o milagre consumou-se! Colocada a imagem num dos pratos de uma balança e quando o mouro julgava ir receber um intenso tesouro no caso de o cristão poder pagar o respectivo valor, eis que a própria imagem se tornou de tal maneira leve que, no outro prato não foi necessário colocar mais que uma ínfima porção de prata, correspondente a uma diminuta pataca. À surpresa de ambos, juntou-se a felicidade transbordante do cristão que assim via realizado o seu desejo de regressar à terra com a imagem roubada. Não ficou o mouro pelos ajustes, querendo desfazer o contrato por não crer na veracidade do que via; obrigado, porém, a cumprir a palavra dada, entregou a imagem ao cristão que a guardou ciosamente em sítio desconhecido até que, por fim, de regresso a Portugal, a trouxe de novo para a sua capela, onde ainda hoje se encontra.

Source
CALADO, Mariano Peniche na História e na Lenda , Edição do Autor, 1991 , p.413-414
Place of collection
PENICHE, LEIRIA
Narrative
When
16 Century,
Belief
Unsure / Uncommitted
Classifications

Bibliography