APL 1293 Lenda da Grota do Barro ou Grota do Tamborileiro

Decorriam os primeiros anos do século dezasseis e a vida, no lugar de Água de Alto, corria como na maioria das povoações costeiras dos Açores, divididos os habitantes entre as tarefas do arranjo da terra, do pastoreio e da pesca, que lhes permitiam subsistir.
 Um certo dia, pela boquinha da noite, quando os homens voltavam a casa dos seus trabalhos, convidados pelos toques das trindades, e as mulheres preparavam a magra ceia na cozinha coberta de palha, sem que ninguém desse conta, um navio de piratas, possivelmente argelinos, aproximou-se do areal. 
 A coberto da sombra da noite, passando despercebidos aos vigias, o grosso grupo de piratas trepou as íngremes veredas que conduziam ao lugarejo e surpreendeu os seus habitantes.
 Então foi o fim do mundo. Saquearam casas, maltrataram e feriram os homens, violentaram mulheres e crianças. Outro grupo avançava, entretanto, para o interior, levando à frente um tamborileiro que não se fartava de rufar o instrumento com quanta força tinha, para amedrontar as populações.
 O som do tamboril ecoava entre os gritos angustiados das mulheres e das crianças. Mas, insensíveis à dor, os hereges continuavam a tarefa de pilhagem e destruição.
 Os vigias de Vila Franca aperceberam-se finalmente do que se passava, lançaram barcos ao mar com homens bem armados e mandaram outros por terra, a cavalo, para ajudar. Recebendo um aviso de bordo, os piratas regressaram à nau o mais depressa que puderam. Só o tamborileiro, ensurdecido pelo barulho do tambor, continuou a caminhar, sem se aperceber do que se estava a passar e, quando caiu na realidade, já era demasiado tarde. Não teve coragem de descer as margens da ribeira aonde tinha chegado, mas não se calou. Desesperadamente, tentou com o seu barulho afugentar quem se atrevesse a aproximar dele e, com sorte, porque nessa noite ninguém lhe deu busca.
 No dia seguinte procuraram o tamborileiro em vão, mas, com a noite, o som do rufar do tamboril encheu de novo de pânico as populações. Por fim o tambor calou-se e, ao mesmo tempo, um agudo grito cortou a escuridão.
 Ao amanhecer, os guardas foram pela ribeira fora e encontraram o cadáver do tamborileiro caído no fundo da grota, esfacelado da grande queda.
 As populações sentiram-se aliviadas por se verem livres de raça tão má, mas, nas noites seguintes, um estranho rufar de tambor continuava a ouvir-se, claramente, vindo do lado da ribeira.
 Assim, aquela grota, chamada do Barro por ter algum cré, passou também a chamar-se Grota do Tamborileiro por se dizer que o fantasma continuava a tanger o seu tamboril, assombrando os caminhantes que por ali passavam altas horas da noite.

Source
FURTADO-BRUM, Ângela Açores: Lendas e outras histórias , Ribeiro & Caravana editores, 1999 , p.118-119
Place of collection
Água De Alto, VILA FRANCA DO CAMPO, ILHA DE SÃO MIGUEL (AÇORES)
Narrative
When
16 Century,
Belief
Unsure / Uncommitted
Classifications

Bibliography