APL 1338 Serra Branca

Nos finais do século quinze, D. Branca, irmã de Vasco Gil Sodré, era a primeira donatária da ilha. Vivia com o marido no seu solar na Caldeira, onde hoje se chama o Castelo.
 Ora numa certa noite, D. Branca teve um terrível pesadelo. Sonhou que o solar de que tanto gostava ia, em breve, ser totalmente destruído por um vulcão. Sonhou o mesmo três noites seguidas. Ficou muito impressionada e acreditou que era um sinal de Deus.
 Foi contar ao marido e pediu-lhe que se afastassem para bem longe, a fim de evitarem a catástrofe. Ele era um homem descrente, orgulhoso e, ao ouvir a revelação que a mulher lhe fez do sonho que tinha tido e da intenção de fugir, riu-se e troçou dela.
 D. Branca ficou muito triste por o marido não a querer acompanhar, mas estava amedrontada e tão segura da profecia que o sonho lhe tinha revelado que acabou por partir sozinha. A chorar, deixou o seu belo solar na Caldeira. Andou, andou, a pé, por montes e carreiros e veio ter à Eira ou aos Remédios, na Praia.
 Como o sonho tinha previsto, passados alguns dias, o castelo foi destruído e o marido de D. Branca morreu, vítima da sua incredulidade e orgulho.
 D. Branca, viúva, tornou-se ainda mais piedosa e amiga dos pobres. Era uma mulher muito rica, não tinha filhos a quem deixar os seus bens e por isso legou uma grande parte ao povo da Graciosa.
 Contudo, após a morte de D. Branca, as terras que lhe tinham pertencido andaram em formais de partilha, durante algum tempo. Acabaram, por fim, por ser logradoiro comum do povo graciosense, como tinha sido desejo da Donatária. Uma grande extensão de terreno muito produtivo, no alto da serra, com cerca de cento e dezasseis hectares, todo limpo de urzes e silvas, pertencera a D. Branca e por sua morte e vontade a todos os graciosenses. Passou a chamar-se Serra Branca, em homenagem ao nome da antiga dona. Aí, durante séculos, até aos nossos dias, os da Graciosa lançavam os seus gados, que comiam livremente; aí as raparigas do Caminho do Gaspar, das Almas, do Tanque, iam levar as suas mansas vacas, embora com algum medo a apertar-lhe o peito, pois dentro dessa pastagem ficava a Caldeirinha com a Encantada, os Diabretes e outros seres desconhecidos. Algumas vacas eram tão mansas e espertas que, adivinhando mau tempo, regressavam a casa sozinhas.
 Hoje nada disto acontece, pois a Serra Branca já não é propriedade do povo, como pretendeu D. Branca, a sua primeira dona.

Source
FURTADO-BRUM, Ângela Açores: Lendas e outras histórias , Ribeiro & Caravana editores, 1999 , p.171-172
Place of collection
Santa Cruz Da Graciosa, SANTA CRUZ DA GRACIOSA, ILHA DA GRACIOSA (AÇORES)
Narrative
When
15 Century,
Belief
Unsure / Uncommitted
Classifications

Bibliography