APL 1274 A Ermida de Nossa Senhora do Pranto

Estava-se no ano de mil quinhentos e vinte três, numa segunda feira e um rapaz andava a guardar as vacas no sítio da Lazeira, na freguesia de S. Pedro do Nordestinho, nuns terrenos muitos próximos do mar.
 De repente, uma visão deslumbrante deparou-se perante os seus olhos. Era Nossa Senhora que lhe aparecia, vestida de branco, entre fina cortina de névoa, pairando dois ou três palmos acima do chão. Logo o pastor se ajoelhou e adorou a Virgem, enquanto uma voz lhe disse:
 — Vai à Vila e convida todos os que encontrares a virem quarta-feira a este local, onde se reunirão sete cruzes. Se no caminho te aparecer uma bicha de boca aberta, não temas, pois é o símbolo da peste que acometerá Ponta Delgada e se espalhará por toda a ilha. Nesse dia, quando aqui estiver muita gente e rebentar uma trovoada, cavem a terra e espalhem-na por cima das pessoas e não tenham medo. Quero também que neste local levantem uma ermida a Nossa Senhora do Pranto e, se tudo isto fizerem, não terão nem a peste nem os tremores de terra, pois eu intercederei por vós junto do meu filho.
 Dito isto, desfez-se a visão e o pastor correu para a Vila a anunciar o que lhe tinha acontecido.
 As pessoas acreditaram no rapaz e, na quarta-feira, sete cruzes ou romarias, vindas do Nordestinho, Nordeste, Maia, Fenais, Povoação, Achadinha e Achada Grande, ali se juntaram. A Senhora cumpriu as suas promessas e os populares começaram a construir a ermida.
 Para ser mais fácil o acesso, decidiram construi-la à beira do caminho e no local juntaram pedra e outros materiais. Mas, para pasmo de todos, certa manhã apareceram no pasto onde Nossa Senhora tinha aparecido, não longe do mar. Os operários trouxeram-nos para a beira do caminho mas no dia seguinte já estavam outra vez no lugar indicado por Nossa Senhora.
 Uma dessas noites, as pessoas, desconfiadas, vieram vigiar e viram que Nossa Senhora com uma caninha botava a pedra a rolar para baixo.
 Não tiveram mais dúvidas: A Senhora do Pranto queria a sua ermida junto ao mar, longe das casas, para que as promessas das pessoas exigissem sacrifício e assim tivessem mais valor. Ali se começou a construir as paredes.
 O trabalho era demorado porque não havia água doce por perto e Catarina Dia, uma velhinha fraca, mas crente, prometeu acartar a água do povoado. Assim o fez, até ao dia em que sentiu que a forças a abandonavam. Ajoelhando perto das paredes da ermida, pediu à Senhora vida para ver a obra terminada.
 Perante o pasmo dos mestres, brotou da parede da ermida, próximo do chão, água em abundância e dali jorrou até findar a construção. Mais tarde a água deixou de correr naquele lugar e foi brotar na rocha. Lá está a correr mansamente, agora resguardada por uma gruta construída por camponeses. A umas centenas de metros, no pocinho de onde a ermitoa acartava a água, numa das pedras, vê-se a marca do pé pequenino de Nossa Senhora, que ali pousou ao ir matar a sede.
 A santa velhinha ainda viveu durante anos como ermitoa, guardando o templo em cujo chão se enterrou. Os milagres operados pela Senhora do Pranto têm sido muitos. Pessoas houve que ouviram cantar os anjos docemente na ermida.
 Nos sete domingos da Quaresma, ainda hoje, muitas pessoas acorrem à ermida para pagar as suas promessas à Senhora do Pranto.

Source
FURTADO-BRUM, Ângela Açores: Lendas e outras histórias Ponta Delgada, Ribeiro & Caravana editores, 1999 , p.97-98
Place of collection
São Pedro De Nordestinho, NORDESTE, ILHA DE SÃO MIGUEL (AÇORES)
Narrative
When
1523
Belief
Unsure / Uncommitted
Classifications

Bibliography