APL 3344 Nossa Senhora da Abbadia (de Bouro)
Segundo o doutor frei Bernardo de Brito (Chron. de Santo Agostinho, pag. 2.ª, liv. 4.º, tit. 2), a lenda de Nossa Senhora da Abbadia, é como se segue:
No tempo do conde D. Henrique, havia um santo eremita, descendente da nobre familia dos Coelhos (que era a do grande Egas Moniz) e por nome, Pelagio, ou Pelaio Amato.
Pelagio tinha sido casado com D. Muma, qual houvera um filho e uma filha. Morrendo-lhe a esposa, que adorava, e pouco depois a filha, tomou tal desgosto, que, abandonando as pompas e faustos da côrte, se foi viver em um deserto, entre umas brenhas, votando o resto dos seus dias á penitencia e oração; deixando o filho entregue ao conde D. Henrique, que muito estimava Pelagio.
Estava n’esse tempo a côrte em Braga, e sabendo Pelagio, que perto d’esta cidade, havia, entre asperissimas rochas, uma pequena ermida, dedicada ao archanjo S. Miguel, onde fazia vida penitente um virtuoso eremita, chamado frei Lourenço, se foi ter com elle, e lhe pediu que o acceitasse por discipulo e companheiro, e lhe ensinasse o caminho do Céo.
Frei Lourenço, vendo um fidalgo novo, ricamente vestido, lhe observou que talvez o seu proposito fosse passageiro, e que provavelmente em breve lhe viria o arrependimento; mas vendo a firme deliberação do fidalgo, o fez despir os fatos bordados e envergar grosseira tunica de eremita.
Tomava Pelagio as privações e penitencias da sua nova vida com tanta resignação, obediencia e piedade, que até ao velho asceta causava admiração.
Vivia cada um em sua cella, que era uma triste cabana, construida de pedra sécca, e coberta de ramos e hervas.
Em uma noite viu Pelagio uma grande claridade, em um pequeno valle que ficava ao sopé do monte onde tinham as suas habitações. Deu parte d’isto ao companheiro, e hindo no dia seguinte ver o que era, acharam, entre os penedos, uma bellissima imagem da Santissima Virgem.
Suppõe-se, com bons fundamentos, que esta imagem fôra alli escondida no principio do 8.º seculo (pela invasão dos serracenos), pelos religiosos de uma abbadia (mosteiro) que n’este logar tinha existido, e que foi arrasado pelos mouros, de tal sorte, que d’elle não existe o minimo vestigio.
Alegres com o achado, resolveram abandonar o alto da serra, e se vieram estabelecer n’este valle, que é uma bacia de uns 600 metros de comprido, por 200 de largo, encaixilhado em serras altissimas e alcantiladas penedias, por onde torrentes d’agua se despenham com fragor medonho.
Por suas proprias mãos, construiram os dois anachoretas, uma pequena ermida, onde collocaram a santa imagem.
Era então Sigifrido, arcebispo de Braga, e sabendo d’este apparecimento, foi pessoalmente visitar a Virgem e a sua ermidinha.
Tal devoção votou á Senhora, que lhe deu logo os necessarios paramentos para o seu culto, e mandou edificar uma egreja de pedra lavrada, muito ampla, e de tão solida construcção, que é a que ainda existe.
- Source
- PINHO LEAL, Augusto Soares d'Azevedo Barbosa de Portugal Antigo e Moderno Lisbon, Livraria Editora Tavares Cardoso & Irmão, 2006 [1873] , p.Tomo VI, pp. 155-156
- Place of collection
- BRAGA, BRAGA