APL 2692 Évora

Giraldo Giraldes descendia de uma nobre familia, de appellido Pestana, e era natural da Beira.
Parece que era da villa de Ferreiros de Tendaes, ou suas immediações. (Vide Ferreiros de Tendaes.)
Depois de combater heroicamente ao lado de D. Affonso I (foi este monarcha que lhe pôz a antonomasia de Sem-Pavor, em razão da sua bravura) teve certas questões com outro fidalgo, grande privado do rei, e o matou em desafio.
Receando a colera do rei, fugiu, hindo abrigar-se na serra de Monte-Muro, onde construiu um castello, cujas ruinas ainda existem. D’alli sahia com outros muitos foragidos, que se lhe reuniram, a roubar mouros e christãos, sendo o terror dos povos da provincia.
A fama das grandes presas que fazia, attrahiu tantos bandidos á sua bandeira, que chegou a ter 526 soldados de cavallaria e grande numero de peões, de maneira que fazia a guerra como conquistador e não como salteador.
Quem queria estar ao abrigo de suas rapinas, lhe pagava annualmente um tributo estipulado.
Mas Giraldo Giraldes era um nobre cavalleiro, não lhe soffria o animo viver sempre esta vida de rapinas e depredações e queria a todo o custo obter o perdão do rei.
Deixou os seus camaradas no seu castello e foi só com cinco á cidade d’Evora, e ahi, fallando com o alcaide mouro, lhe disse muito mal de D. Affonso I e prometteu ajudar os mouros a derrotal-o. Ficou o alcaide muito contente e o tratou muito bem, tendo-o comsigo dois dias, que Giraldo approveitou para examinar minuciosamente a fortaleza.
Tornando ao seu castello, proclamou aos seus soldados, incitando-os a uma grande façanha, em serviço de Deus, do rei e da patria (sem lhes dizer qual.) Prometteu-lhes o perdão do rei e ainda honras e terras. Todos annuiram e elle os mandou armar e prover de mantimentos para dois dias.
Assim que anouteceu, sahiram do castello, e andando toda a noute, se esconderam apenas amanheceu, continuando a marcha na noute immediata., chegando a 2 kilometros a O. da cidade (onde hoje é o convento das freiras bentas) mandou nos seus cortarem trancas, em quanto esperavam por elle, descobrindo-lhe então o seu intento.
Recomendando-lhe o maior silencio, se foi só para Evora, chegando á torre da Atalaya, que hoje se vê no outeiro de S. Bento, onde estava por sentinella um mouro e uma sua filha. Giraldo hia coberto de ramos verdes, para não ser visto, mas não era preciso esta prevenção, porque as sentinellas dormiam a somno solto.
Não tinha a torre communicação alguma com as outras obras de defeza, nem porta d’entrada, e apenas tinha uma janella, para onde se subia por uma escada de mão, que se recolhia logo depois de ser preciza: Giraldo, largando a rama e espetando ferros de lança nas juntas das pedras, subiu até á janella onde estava a moura e precipitou esta abaixo da torre, cahindo sobre uns penedos, onde logo morreu. Entrando na torre, degolou o mouro, que ainda dormia, levando as cabeças dos dois vigias aos seus, em signal de bom annuncio.
Separou d’entre os seus, 120 de cavalo mandando-os pela parte onde hoje está o convento do Espinheiro, com ordem d’esperarem alli até que ouvissem rumor e gritos na cidade; e elle com os restantes se foi direito á torre de Atataya, e subindo a ella, accendeu o fogo que indicava ser este sitio atacado por christãos.
Os da cidade se reuniram á pressa e o alcaide com a maior força sabiu da cidade em direcção á torre, sem mesmo julgar necessario fechar as portas. Giraldo, que estava á espreita, entrou facilmente na cidade, protegido pela escuridão da noute, matando quanto se lhe punha diante, e cerrando as portas com as trancas que os seus haviam feito.
Os gritos de mouros e christãos e os lamentos das mulheres e creanças eram horriveis. Acudiu o alcaide com os seus, mas Giraldo lhe defendeu a porta como um leão.
N’isto, os 120 cavalleiros deram nos mouros pela rectaguarda, pondo-os em precipitada fuga; pois julgaram que o proprio D. Afonso I estava dentro da cidade.
Não cuidou Giraldo em os seguir, mas em fortificar melhor alguns pontos da cidade. No outro dia mandou pôr fóra d’ella aos mouros que tinham ficado, só com o que tivessem vestido; menos aos que quizeram estar sob o poder dos christãos, que aqui ficaram vivendo e seus descendentes, convertendo-se muitos ao christianismo e os outros aqui viveram até ao reinado de D. Manuel, que os expulsou do reino e mais aos judeus.
A cidade foi saqueada, tirando-se o quinto para o rei (como era a praxe d’aquelles tempos) e Giraldo mandou-o, a D. Afonso I com a noticia d’esta façanha e o pedido de perdão para elle e os seus, pedindo-lhe tambem que mandasse tomar conta da cidade e lhe posesse guarnição.
D. Affonso I ficou contentissimo com esta inesperada conquista: perdoou logo a Giraldo e aos seus, nomeando-o alcaide-mór d’Evora, e fazendo-lhe outras muitas mercês.
A Pedralves Cogominho, que foi o que levou a noticia e o presente, fez doação de muitas herdades e outras muitas mercês. Alem d’isso mandou muita gente a Giraldo, para reforçar a guarnição da cidade, e com ella os cavaleiros da nova ordem (Aviz) a quem se deu a parte da cidade a que ainda hoje se chama Freiria. (Vide Aviz.)
Assim foi arrancada para sempre do poder serraceno a nobre e veneranda cidade d’Evora.
Os phantasiadores e os poetas contam este feito de Geraldo Giraldes com algumas variantes, mettendo-lhe a historia de um fingido namoro que elle teve com a moura da torre da Atalaya; mas a versão mais seguida, por mais verosimil é a que fica escripta.

Source
PINHO LEAL, Augusto Soares d'Azevedo Barbosa de Portugal Antigo e Moderno Lisbon, Livraria Editora Tavares Cardoso & Irmão, 2006 [1873] , p.Tomo III, p. 90-91
Place of collection
ÉVORA, ÉVORA
Narrative
When
12 Century,
Belief
Unsure / Uncommitted
Classifications

Bibliography