APL 914 S. bartolomeu

Na aldeia de Bilhó, do Concelho de Mondim de Basto, há um lugar chamado Veiga Nova, onde existe uma capela românica, que tem por Padroeiro S. Bartolomeu, o Santo que tem o Diabo amarrado e só o deixa andar à solta uma vez no ano, a vinte e quatro de Agosto, dia da sua festa.
 A imagem do Santo é também muito antiga e tem uma história muito curiosa que o povo conta, bem à sua maneira.
 Perto da referida aldeia, há uma outra, também pertencente à mesma freguesia de Bilhó, chamada Bobal, que, por coincidência, tinha o mesmo Patrono, na sua capela.
 Ora era exactamente na capela de Bobal que estava a imagem de S. Bartolomeu que agora se encontra na capela de Bilhó.
 E como é que ela foi ali parar?
 Vejamos a razão que o povo do Bilhó apresenta para explicar esta mudança.
 Em tempos muito longínquos, ainda antes de existir a capela que há hoje, havia naquela povoação uma pobre mulher perseguida pelo Mafarrico que todas as noites lhe aparecia, em sonhos, com a figura dum carneiro preto.
 A infeliz senhora andava consumida e mirrada com aqueles pesadelos nocturnos, sem atinar com a maneira de se libertar deles.
 Nem a água benta que levava às escondidas da igreja nem o responso a Santo António que lhe ensinara a mulher de virtude da aldeia conseguiam esconjurar o Maligno, apostado em a levar ao desespero.
 Um dia, lembrou-se de invocar a protecção de S. Bartolomeu, prometendo dar-lhe um carneiro se ele a livrasse daqueles horríveis pesadelos.
 Em boa hora o fez. O Santinho ouviu-a e, dali em diante, cessaram as intervenções diabólicas. A ditosa mulher passou a dormir tranquilamente as noites e a ganhar uma cor de saúde que fazia inveja às vizinhas:
 - Ó mulher, tu nem pareces a mesma. Quem te viu e quem te vê!
 E ela, sem dizer o que se passara, respondia:
 - Pois é, não há mal que sempre dure nem bem que tanto ature. De hora a hora, Deus melhora.
 Agora, era preciso cumprir a promessa; se não, o Trasgo voltava e ela ficava pior que dantes.
 Então, foi à loja, prendeu o carneiro do seu rebanho com uma corda e levou-o à capela de Bobal, onde havia uma imagem do S. Bartolomeu.
 Mas, como não estava lá o mordomo da capela, para tomar conta dele, e receando que ele fugisse, prendeu a corda à imagem do Santo e foi-se embora para casa.
 O carneiro lá ficou muito quietinho, durante várias horas. Mas, quando a fome apertou, puxou a corda, para ir à procura de alimento, e percorreu os lameiros, arrastando a imagem, até se fartar de erva tenra.
 Ao cair da tarde, já farto, dirigiu-se para o Bilhó e foi ter a casa da dona, ainda com a imagem a arrastar pelo chão.
 A pobre mulher ficou numa aflição, ao ver a imagem assim maltratada por sua culpa, e correu a soltá-la para a levar para casa.
 Ao pegar nela, ficou mais aliviada, por verificar que estava intacta, sem qualquer beliscadura.
 Para se redimir da sua leviandade, beijou-a fervorosamente e colocou-a em cima da mesa, embrulhada numa toalha de linho.
 Depois, foi dar a novidade aos vizinhos que ficaram muito surpreendidos com aquele acontecimento insólito, um verdadeiro milagre, e, ao mesmo tempo, muito satisfeitos, por S. Bartolomeu se ter servido do carneiro para deixar os de Bobal e vir para o Bilhó.
 Calaram-se, muito bem calados, e resolveram fazer a capela, que hoje lá está, para colocar nela a imagem milagrosa.
 Concluída a capela, fizeram uma grande festa e declararam S. Bartolomeu seu Padroeiro.
 Então, os de Bobal, que desconheciam o paradeiro do seu santo tão querido, sabendo que ele estava no Bilhó, foram lá para o buscar, mas os do Bilhó não o deixaram levar.
 Houve, por isso, uma grande questão no tribunal da vila que durou longos anos e acabou por ser ganha pelos de Bilhó que convenceram o juiz a dar-lhes razão, dizendo que, se o Santo se deixou levar para lá, era porque gostava de lá ficar.
 Por causa disso, os moradores das duas aldeias, durante muitos anos, não se podiam ver.
 Mas o Santo conseguiu que eles fizessem as pazes e agora juntam-se todos no Bilhá, para celebrarem alegremente a sua festa, no dia vinte e quatro de Agosto.
 É por essa razão que nesse dia anda o Diabo à solta.

Source
FERREIRA, Joaquim Alves Lendas e Contos Infantis Vila Real, Edição do Autor, 1999 , p.67-69
Place of collection
Bilhó, MONDIM DE BASTO, VILA REAL
Narrative
When
20 Century, 90s
Belief
Unsure / Uncommitted
Classifications

Bibliography