APL 656 Senhora do Almotão

Nas amplas e grandes Campanhas de Idanha-a-Nova de Sol ardente e céu claro, ali, na quietude do campo, longe do Mundo, em pleno isolamento, a grandeza de Deus, já imensa, parece ainda maior.
 Ali, onde viceja o trigo, onde pascem dezenas de rebanhos criados na abundância de pascigo. Mercê de Deus; ali, bem perto de Monsanto e ldanha-a-Velha, terras de lenda e de velhas tradições onde, em tempos remotos, após a implantação do cristianismo, se erigiu um dos primeiros bispados da Península; ali, como em todo o lindo Portugal, deviam, crença e a fé, expulsos os mouros, levantar brancas e lindas capelinhas para perpetuar os milagres que a sua devoção e a sua alma viam ou sonhavam.
 O campo era por aqueles tempos quase inculto, e, por entre a vegetação espontânea em que a terra se ia desentranhando, sobressaíam, de espaço a espaço, grandes e virentes moitas de subarbustos.
 Um dia, madrugada ainda, atravessavam a Campina pelo sítio de Água da Murta para o labor de todos os dias, pastores e ganhões.
 Notaram que numa moita maior, mais espessa e mais soberba, havia algo de estranho.
 Aproximaram-se. Viram melhor.
 Era uma linda imagem da Virgem! onde, ao clarear da manhã, os primeiros raios do Sol, brilhavam, em lindos revérberos, como pérolas de beleza infinita, pequenas gotas de maresia.
 Milagre! Milagre!
 E caíram de joelhos e rezaram.
 E, possuídos de grande alegria, de enorme contentamento, passada a primeira hesitação, resolveram conduzir a Santa Imagem para a igreja de Monsanto.
 Mas, quando o povo acorreu ao templo, na Campina, Ela lá estava, e exactamente no mesmo sítio.
 Voltaram a recolhê-la na igreja.
 Ela voltou ao seu lugar predilecto.
 E sempre que a procuravam, madrugada, sol alto, ao meio-dia, pelo crepúsculo ou pela noite, Ela lá estava no lugar da aparição.
 Respeitadora da vontade, bem expressa, da Senhora, a cristandade construiu-lhe no local uma capelinha.
 E como, para o nome a dar à santa imagem, não podia haver melhor motivo que o do milagre da aparição, o povo passou desde logo a chamar-lhe «Nossa Senhora de Al-Motão».
 E os vizinhos das Campanhas, naqueles tempos de lutas constantes e de ambições desmedidas em que as fronteiras dos povos eram incertas, interpretando patrioticamente a fuga da santa imagem da igreja, situada próximo da raia, para o sítio onde apareceu, mais no centro do Pais, começou, e ainda hoje continua a cantar:

Senhora do Almotão,
Minha tão linda arraiana,
Voltai costas a Castela,
Não queirais ser castelhana.

Source
DIAS, Jaime Lopes Contos e Lendas da Beira Coimbra, Alma Azul, 2002 , p.55-57
Place of collection
Idanha-A-Nova, IDANHA-A-NOVA, CASTELO BRANCO
Narrative
When
20 Century, 50s
Belief
Unsure / Uncommitted
Classifications

Bibliography