APL 939 A senhora dos meninos

Há, na povoação de Alvelos, Concelho de Lamego, uma capelinha com uma imagem de Nossa Senhora que tem o nome curioso de Senhora dos Meninos. O povo escolheu-A como sua Padroeira e faz-Lhe uma festa anual, muito concorrida e animada.
 As pessoas justificam, da seguinte maneira, a origem do nome da Senhora e da festa.
 Havia, perto da povoação, um monte chamado Tamboreira, coberto de grandes penedos, que, por estarem assentes em terra movediça, nos invernos mais rigorosos, se iam desprendendo e enterrando no vale subjacente.
 Mas, apesar de andar sempre por ali muita gente a apascentar os gados ou a cultivar os campos, nunca ninguém fora atingido por nenhum deles, o que parecia um milagre.
 Porém, num ano de chuva diluviana, quando uma pastorinha andava a guardar um rebanho de ovelhas, na companhia do seu fiel cãozinho, que nunca a abandonava, despenhou-se o maior de todos eles, um penedo gigante de muitas toneladas, que a apanhou e levou à sua frente, só parando no meio do vale, por cima da pobre menina.
 O cão conseguiu escapar-se e, quando viu a sua amiguinha desaparecer debaixo do penedo, correu a casa, começou a ganir, a agitar a cauda, a roçar-se nas pernas do dono e a empurrá-lo para a porta.
 A presença do animal, que nunca abandonava a pastora, e a sua atitude estranha não agoiravam coisa boa. Tinha havido desgraça pela certa.
 Muito aflitos, puseram-se imediatamente a caminho, seguindo o cão, que corria diante deles quanto eles lho permitiam, e só parou quando chegou ao local da tragédia.
 Lá andavam as ovelhinhas a tosar tranquilamente as ervas do lameiro. Mas a filha não a viram. O cão, esbaforido, não largava o fragão, a esgadanhar a terra com as patas. Só então repararam no penedo descomunal que tinha caído recentemente, e ficaram apavorados. Provavelmente, a filhinha querida estava debaixo, esmagada por aquele colosso de pedra.
 Como nada podiam fazer sozinhos, correram à povoação a pedir ajuda. Tocaram os sineta a rebate, como era costume nos momentos de calamidade; e, quando todos estavam reunidos no adro da capela, contaram, com a voz embargada pelos soluços, a desgraça que lhes tinha acontecido.
 Sem perda de tempo, munidos de ferros, pás e enxadas, acorreram à Tamboreira, para desenterrar a criança. Já não era possível tirá-la viva; mas, ao menos, davam aos pais a consolação de a sepultar cristãmente numa campa benzida.
 Chegados ao lugar do acidente, começaram a escavar a terra. Depois, colocaram pedras para assentar os ferros e, todos à uma, puxando com raiva, conseguiram virar o penedo gigante.
 E, quando todos julgavam encontrar um cadáver esmagado, sem vida, irreconhecível, encontraram, com grande espanto e alegria, a menina, inteirinha, sem uma beliscadura no corpo franzino, a dormir placidamente, como se estivesse deitada num leito macio.
 Nem queriam acreditar! Como podia ser?
 Olharam para o penedo e verificaram, com estupefacção, que ele tinha uma concavidade do tamanho e feitio da criança, que a protegia do peso do fragão, como se tivesse descido suavemente para a proteger da chuva, que caía com grande intensidade.
 Maravilhados, com o que viam, gritaram em coro uníssono:
 Milagre! Milagre! Foi a nossa Padroeira que a salvou!
 Por essa razão, passaram a chamar-Lhe a Senhora dos Meninos e a fazer-Lhe uma festa anual, com uma procissão em que se encorporam as crianças da aldeia, à frente do seu andor, que vão cantando:

Ó Senhora dos Meninos,
Sois a nossa Padroeira,
Vós nos livrais dos calhaus
Que caem da Tamboreira.

Source
FERREIRA, Joaquim Alves Lendas e Contos Infantis Vila Real, Edição do Autor, 1999 , p.146-147
Place of collection
LAMEGO, VISEU
Narrative
When
20 Century, 90s
Belief
Unsure / Uncommitted
Classifications

Bibliography