APL 917 Nossa senhora do Extremo

A pequena povoação de Toirencinho está situada também no Concelho de Vila Pouca de Aguiar, entre o vale e a serra.
 Por esta razão, os seus habitantes viveram sempre da lavoura e da pastorícia e um pouco também da olaria, devido à grande quantidade de barro ali existente.
 Lá no alto, já em plena serra, alveja uma pequena ermida que tomou o nome de capela de Nossa Senhora do Extremo.
 Esta lenda conta-nos o motivo que levou os moradores de Toirencinho a construir a capela naquele sítio, longe da povoação.
 Andavam, um dia, dois irmãos, um rapaz e uma rapariga, a guardar um rebanho de ovelhas, junto dum fragão, naquele lugar, quando foram surpreendidos pela aparição duma senhora muito linda que meteu conversa com eles e lhes pediu pão.
 Os dois irmãos responderam-lhe que, já havia muito tempo, não o viam nem cheiravam.
 O milhão e o centeio tinham secado por falta de chuva e ninguém na povoação tinha tal manjar à sua mesa.
 - Ide procurá-lo ao forno, lembrou a linda senhora.
 - O forno? Já está cheio de silvas e urtigas à sua volta por não ter sido procurado, retorquiram eles.
 Mas a senhora insistia:
 - Ide lá e vereis que está cheio de pão.
 E as ovelhas? — perguntaram os dois.
 - Não tenhais receio, que eu encarrego-me de velar por elas, até que volteis.
 Os dois pastorinhos acreditaram nas palavras daquela senhora que falava com tão bons modos e não tinha cara de mentir.
 Foram a correr ao povo, com a água na boca, na esperança de encontrar o pão tão desejado. Chegados lá, foram direitinhos ao forno e ficaram muito admirados: as silvas e as urtigas tinham desaparecido e a porta, sempre fechada com o ferrolho, estava aberta de par em par!
 Logo que entraram, sentiram um delicioso cheirinho a pão cozido. Quiseram matar a fome com ele, mas o forno estava tapado e não se atreveram a tirar a porta, com receio de se queimar.
 Desataram, então, a correr para casa dos pais e gritaram, ao fundo das escadas:
 - Já há pão no forno! Já há pão no forno!
 Os pais julgaram que os filhos estavam a brincar e começaram a ralhar-lhes por terem regressado do monte tão cedo.
 Mas eles repetiam com mais força:
 - Já há pão no forno! Já há pão no forno!
 Os seus gritos chegaram aos ouvidos dos vizinhos, que pensaram também que os garotos estavam na brincadeira.
 Mas, perante a insistência dos filhos, os pais resolveram ir com eles ao forno, para lhes darem uma tareia por mentirem, e os vizinhos acompanharam-nos.
 Ao chegarem lá, ficaram pasmados de assombro com o que viam: a casa do forno limpa do matagal, a porta completamente aberta e o cheiro a pão quente que vinha lá de dentro.
 Entraram, tiraram a porta do forno ainda quente e deram com os olhos numa fornada de broas, com a côdea tão estaladinha que era uma admiração.
 Como não tinha lá ido ninguém que pudesse fazer tal coisa, não tiveram dúvidas de que tinha havido um milagre e exclamaram:
 - Louvado seja Deus que Se lembrou de nós!
 Mas, depois desta alegre surpresa, surgiu uma interrogação: como é que as crianças souberam, lá no monte, que havia pão cozido?
 Então perguntaram-lhes e elas responderam:
 - Foi uma senhora muito linda que nos mandou cá, para lhe levarmos um bocado de pão, e prometeu guardar as ovelhas, até nós voltarmos.
 Com aquela resposta, as pessoas ficaram ainda mais intrigadas: como é que uma senhora desconhecida sabia que havia pão no forno?
 Para desvendar o mistério, decidiram ir ao monte com as crianças procurar a misteriosa senhora. Mas, ao chegarem lá, só viram as ovelhas a pastar e uma imagem de Nossa Senhora, em cima do fragão.
 Concluíram, então, que fora Nossa Senhora quem apareceu aos dois irmãos e fez o milagre do pão cozido, e levaram a sua imagem para a capela da aldeia.
 Ao outro dia, porém, quando entraram na capela para a oração da manhã, já não encontraram a imagem. Foram ao monte e encontraram-na no mesmo lugar donde a tinham trazido na véspera.
 Trouxeram-na de novo para a capela e ficaram de guarda, à porta, para evitar que alguém a pudesse roubar de novo. Mas, no dia seguinte, aconteceu o mesmo: a imagem tinha desaparecido novamente e voltado para o monte.
 Convenceram-se, então, de que Nossa Senhora queria ficar lá e resolveram fazer-Lhe ali a capela. Havia, porém, uma grande dificuldade: era preciso levar água da povoação para os trabalhos e para beber.
 Apesar disso, não hesitaram. Puseram mãos à obra e em tão boa hora que, no mesmo instante, começou a jorrar, ali mesmo ao lado, uma fonte de água cristalina que causou a maior admiração e alegria.
 E essa admiração aumentou, quando chegou o sábado, por verem que a fonte, em vez de água, deitava azeite!
 E assim continuou até à conclusão das obras: aos sábados, dava azeite e nos restantes dias da semana, dava água.
 Terminada a construção da pequena ermida, colocaram lá dentro a imagem que tinha aparecido no monte e deram-Lhe o nome de Nossa Senhora do Extremo, por estar situada no termo do Concelho de Vila Pouca.

Source
FERREIRA, Joaquim Alves Lendas e Contos Infantis Vila Real, Edição do Autor, 1999 , p.75-77
Place of collection
VILA POUCA DE AGUIAR, VILA REAL
Narrative
When
20 Century, 90s
Belief
Unsure / Uncommitted
Classifications

Bibliography