APL 1397 O Constantino no Cais do Galego

Todos sabem que o Constantino era um servo de Deus, ou melhor dizendo, era tolo. Mas, mesmo assim, todos gostavam dele. Vivia num lugarejo da Piedade, ali nas Faias, quase sem vizinhos, o que não impedia que fosse conhecido de todos. Poderes de vezes ouvia-se dizer nas freguesias vizinhas, lá por meados do século, quando se queria fazer escárnio ou agredir alguém: “Tu és pior que o Constantino!” o que queria dizer que era tolo de todo.
 Era pouco esperto, mas era muito divertido o Constantino e tinha muitos amigos. Palmilhava a ilha a pé, à saga de festas e havia muitas no. Pico, principalmente no tempo de Verão.
 Uma certa vez, pelo S. João, lá foi para o Cais do Galego. A festa era no terreiro, no lugar das adegas, à beira-mar, perto da Rocha, um precipício mais alto que a torre de uma igreja, sem protecção, que dava para as rochas da baía e onde já morreram pessoas, ainda há poucos anos aquele rapaz de que me não lembra o nome ali da Piedade.
 Andava o Constantino por ali todo engravatado, ora bebendo um copinho de vinho que lhe ofereciam nalguma adega, ora respondendo a alguma graça maldosa que lhe atiravam os homens, alguns já quentes do bom vinho de cheiro ou de angelica. Ao passar pelo precipício, chegou-se à beira, teve alguma tontura na cabeça e caiu por aquelas alturas abaixo.
 O povo ficou aterrado, com a desgraça e alguns homens desceram logo por um atalho que dava para a baía, esperando encontrar o Constantino morto, com as pernas e os braços partidos e a cabeça rachada. Iam a meio da vereda, quando viram vir o Constantino de cara alegre e bem disposto. Um dos homens perguntou, pasmado:
 — Ó Constantino, o que foi que aconteceu?
 — Nossa Senhora amparou-me... Um pé escorregou e ia a cair por ali abaixo. Nossa Senhora, vestida de branco, muito linda, veio e aparou-me nos braços. — disse o Constantino sem se mostrar admirado.
 Ninguém queria acreditar, mas era certo. E ali estava o Constantino sem mascarra, depois de ter caído por um precipício de mais de quatro metros de altura, para cima de rochas com bicos duros e afiados como facas. A partir disso o Constantino ficou ainda mais conhecido e querido de toda a gente. Todos acreditavam que ele era mesmo um servo de Deus e de Nossa Senhora, que o protegiam como protegem todos os que são pobres de espírito.

Source
FURTADO-BRUM, Ângela Açores: Lendas e outras histórias Ponta Delgada, Ribeiro & Caravana editores, 1999 , p.240
Place of collection
Piedade, LAJES DO PICO, ILHA DO PICO (AÇORES)
Narrative
When
20 Century, 90s
Belief
Unsure / Uncommitted
Classifications

Bibliography