APL 1897 A Portela dos Meninos

Uma mulher estava grávida e deitada, e ouviu a criança chorar. E ela disse para o marido: «Ai, José, tu não ouviste o que eu ouvi!» E diz ele: «Já estás tu com enlesões [ilusões]. Então, o qe é que ouviste tu?) «Então, não ouvi chorar dentro de mim?» «Isso é fegurações.» «Não, já ontem à noite ouvi, mas calei-me.» «Mas bem mal fezeste não te calares agora outra vez, porque tiraste a fortuna ao homem ou mulher que vier.» Ficou aqui a conversa. E a mulher, quando chegou o tempo, teve um rapaz.
 O padrinho do rapaz era da Serra, de perto da Portela da Vaqueira. O rapaz já estava crescido e os padrinhos levaram-no uns tempos para casa. O padrinho tinha um rebanho de gado; e faltou a melhor cabeça do rebanho. O rnôiral do rebanho disse ao patrão. Perguntaram por toda a banda, não a encontravam. Supuseram que a tinham roubado. E o rapazinho, que tinha apenas sete anos, quando viu andarem a chamar, diz assim «O carneiro não foi roubado. Foram os lobos que o comeram. Vão à Portela da Vaqueira, que lá hão-de ver os restos do carneiro, as patas e chifres. Foi anteontem à noite. O carneiro ficou para trás, e um lobo jogou-lhe a boca e levou-o.»
 Foram lá, e verificaram que era verdade. Começaram então a confessar [fazê-lo falar] o rapazinho: por que é que ele sabia, e ele ria-se e não dizia. Então, a cabo de três dias despareceram dois irmãos, rapazinho e rapariga, que andavam guardando uns porquinhos. Estes foram dar a casa e os dois pequenos despareceram. A família começou a procurá-los por toda a banda, e não os encontrou.
 Lembraram-se do que tinha acontecido com o carneiro, de adivinhar o rapaz o que lhe tinha acontecido, e foram à casa onde ele estava, e, com aflição, já a que horas da noite, perguntaram-lhe. E o menino disse: «Como é que os meninos hão-de vir, se os lobos os comeram?» O pai e a mãe caíram no chão, com dor, cada um para seu lado. E a família da casa perguntou ao rapaz em que lugar tinham os lobos comido os meninos, e ele: «Pois, olhem! Isto já faz muito escuro, mas levem archote. Subam aquela cumeada, e lá em cimba, onde faz aquela portela, acharão os pés das crianças metidos nos sapatos.»
 E foram lá com latas e pandeiros para fazerem barulho, e os lobos não perseguirem a gente. E efectivamente lá estavam os pés das duas crianças metidos nos sapatos e os farrapos. Por isso hoje se chama Portela dos Meninos.
 Isto correu fama por toda a banda. E vinha muita gente consultar o menino. Mas ele dizia: «Não sou adivinhão verdadeiro, porque a minha mãe me tirou a fortuna: ouviu-me chorar duas vezes no ventre, e não se calou, contou-o. E agora não posso adivinhar tudo, e é só bém té os doze anos. Depois perco a vertude.»
 O mesmo menino curou um homem, adivinhando os remédios que ele havia de tomar. O homem já estava desenganado dos médicos, e o rapaz começou a rir-se e disse: «Se vossemecê comesse agriões com mel durante, pelo menos um mês, os bofes que estão a apodrecer tornavam-se bofes novos.» E assim foi.

Source
VASCONCELLOS, J. Leite de Contos Populares e Lendas II Coimbra, por ordem da universidade, 1966 , p.462-464
Place of collection
Mexilhoeira Grande, PORTIMÃO, FARO
Narrative
When
20 Century,
Belief
Unsure / Uncommitted
Classifications

Bibliography