APL 274 Os três sapinhos do Hortal

Durante as guerras dos «afonsinhos» um dos soldados portugueses, Frutuoso das Donas, tivera a sorte de ser levado por um grupo de mouros para o norte da Africa.
 Muito maltratado, o preso suspirava hora a hora:
 — Ai, terra de Eiris, terra de Eiris, que não te torno a ver!
 A filha dum chefe mouro, ouvindo, certa ocasião, as palavras de infortúnio do pobre homem, correu até junto do pai a contar-lhe que o cristão metido na masmorra era de Eiris!...
 O bravo chefe mouro, nesse tempo tolhido por ruim cegueira, ficou radiante e imediatamente mandou conduzir o escravo à sua presença.
 — Disse-me minha filha que és de Eiris...
 — Saiba, senhor, que sim.
 — Conta-me então como é a igreja da tua terra — pediu o mouro.
 O Frutuoso deu os melhores sinais.
 Sobressaltado, o altivo chefe prosseguiu:
 — E conheces a Citânia? A lameira de Redundo? E as lajes de Celeirô? Como os meus dedos, senhor.
 — E nunca reparaste nas ervas abróteas que crescem ao pé da Pedra Furada?..., insistiu o cego, agitando-se no seu tamborete.
 Frutuoso falou mais à vontade e do grande benefício dessas ervas no tratamento da cegueira.
 O antigo guerreiro mouro conversou demoradamente com o nosso homem e por fim chamou a filha para lhe abrir um cofre que tinha à sua direita. Dele mandou retirar um par de sapatos com fivelas reluzentes. Entregando-os ao cativo, disse-lhe:
 - Aqui, tens estes sapatos. Vais a Portugal e à tua terra de Eiris, mas só os calçarás assim que chegares a Celeirô. Aí pisarás as ervas de que te falei até as solarias ficarem bem tintas de verde. Depois, mete-os outra vez no saquitel e na vinda passa pela Cancela do Hortal, onde encontrarás três sapinhos com uma pinta branca na cabeça e os recolherás neste estojo. Se mos trouxeres, seremos todos muito felizes.
 Ao cabo de longos meses, Frutuoso das Donas, depois de ter cumprido com habilidade tão arriscada tarefa, pois um dos nossos reis trazia seus exércitos pelo Alentejo, partia satisfeito para a Mauritânia.
 Recebido, entre festejos e honras, o mouro apressou-se a esfregar os olhos com os dedos que já haviam tocado as solas dos sapatos esfregados nas ervas abróteas. Como por milagre, recuperou a vista.
 Maravilhado, entusiasmado, pegou nos três sapinhos, soltou-os em sagrada bandeja de família e ali, com espanto geral, se transformaram em esbeltos e fortes mancebos.
 Frutuoso quis fugir, mas, reparando nas vigias, quedou-se com medo.
 O chefe mouro disse-lhe então que os três mancebos tinham ficado encantados um dia que se viu atacado pelos cristãos numa viagem à Citânia.
 Em recompensa de tão bons serviços, Frutuoso das Donas pôde regressar rico e salvo à sua casa de Viso, de Eiris, usando os trajes moiriscos e contando suas aventuras.

 

Source
AA. VV., - Douro Litoral, 5ª Série, IX , s/ed., 1953 , p.69-71
Place of collection
Eiriz, PAÇOS DE FERREIRA, PORTO
Narrative
When
20 Century, 50s
Belief
Unsure / Uncommitted
Classifications

Bibliography