APL 3314 Manteigas

A 1 kilometros da villa está o pincaro ou curuto de Alfatema, a maior elevação da Serra da Estrella, do qual se conta a lenda seguinte:
Quando os mouros foram d’aqui expulsos, não poderam levar as suas grandes riquezas; pelo que as esconderam em sitio inaccessivel, ou pelo menos por elles assim julgado. Pozeram-lhe guardas encantadas, que eram formosas mouras.
Por esses tempos, o rei mouro de Manteigas, tinha uma filha chamada Fatima, excessivamente bella e a quem enternecidamente amava.
Os christãos das visinhanças faziam todas as diligencias para lhe conquistarem os estados, captivarem a filha e apoderarem-se das riquezas. O rei fez-se forte na sua villa; mas atacado por grande numero de christãos, teve de fugir pelas mais occultas verêdas da serra, levando a sua filha e o resto dos seus thesouros, que ainda não tinha escondido.
Quando chegou a noite, tinha Fatima desfallecido de cansaço; mas na sua frente se abre um formoso caminho, calçado de pedras finas, e no fim uma luz que o illuminava todo.
Foi para os mouros um signal de salvação, e o rei, a filha e o seu sequito, reanimados pela esperança de salvação que se lhes antolhava, seguem o caminho, que os leva a um magnifico palacio, onde tudo era de tal esplendor, que o proprio rei ficou deslumbrado.
O que se passou n’este palacio de fadas, ninguem jamais o soube; mas, no dia seguinte, desceram da serra uns pastores que ninguem conhecia, e que se demoraram algum tempo no paiz, fazendo ao Curuto de Alfatema (nome que elles deram ao cabêço) repetidas visitas; e por fim desappareceram sem que mais d’elles houvesse noticia.
Eram os mouros, desfarçados em pastores, e por elles se soube, que uma fada, madrinha de Fatima., a guardára no seu palacio encantado, até á volta dos mouros a Portugal.
Ninguem por aquelles sitios duvidava d’estes factos, que sempre se conservaram na memoria do povo; e o que deu mais visos ainda de verdade a este conto das Mil e uma noites, foi (continúa a lenda) que d’ahi a muitos aunos, passando pelo Curuto de Alfatema em uma madrugada de S. João Baptista, uma pobre mulher; se sentou alli para descançar, e comer um bocado de pão que trazia. Viu então a seu lado um grande estendal de figos séccos. Encheu d’elles uma cesta que levava, e partiu. Chega a casa; mas qual foi o seu pasmo, quando, descobrindo a cesta, em vez de figos, acha brilhantes e grandes moedas de ouro!
Julga-se rica; mas a pobre que momentos antes, se julgava feliz por ter pão para matar a fome, não se contenta com uma cesta de moedas de ouro, e quer ser riquissima. Torna ao Curuto; mas ah! – O sol dourava os pincaros da serra, e o encanto tinha-se quebrado, e os figos desapparecido. Ouviu então uma voz que lhe dizia:

Era teu tudo o que viste;
Agora tornaste em vão
Não passes mais n’este sitio
Na manhan do S. João.
Não te perdeu a pobreza,
Póde matar-te a ambição.

A mulher viu-se obrigada a contentar-sa com o que já tinha, e com elle comprou propriedades, e passou feliz o resto dos seus dias; mas só passados muitos annos é que declarou a origem da sua riqueza.
Esta bonita lenda, ainda hoje é contada. pelas velhas da Beira Baixa, ás suas netas, nas longas noites de inverno, emquanto ellas fiam o seu linho ou a sua lan, sentadas em redor da patriarchal fogueira.

Source
PINHO LEAL, Augusto Soares d'Azevedo Barbosa de Portugal Antigo e Moderno , Livraria Editora Tavares Cardoso & Irmão, 2006 [1873] , p.Tomo V, pp. 56.57
Place of collection
MANTEIGAS, GUARDA
Narrative
When
19 Century,
Belief
Unsure / Uncommitted
Classifications

Bibliography