APL 3739 O castelo de S. Tomé

Diz a lenda que por baixo de uma fraga [na serra do Cabreiro, em S. Tomé do Castelo, concelho de Vila Real] existe uma grande caverna cheia de tesouros, cuja entrada defendem três guerreiros bem armados, altos como gigantes, bastando uma só bofetada de qualquer deles para fazer em saniscas a cara do atrevido que ali ousasse penetrar;
    Que estes gigantes guardam à vista não só aqueles tesouros, mas a senhora deles, uma moura formosíssima de sangue real, que ali está encantada há muitos séculos, à espera do seu paladino, que há-de um dia matar os guardas, libertando a princesa e os seus tesouros;
    Que alguns pastores de Águas Santas ou de Vila Meã, desta freguesia, já tiveram a dita de ver por uma fresta da penedia aquela moura formosíssima a tecer num tear de ouro maciço, cheia de anéis, pulseiras e colares de diamantes como estrelas;
    Que esta moura é mui gulosa de leite, tendo já sucedido por vezes desaparecerem de por ali vacas com os úberes bem retesados, aparecendo
pouco depois, sem se saber como, com eles de todo vazios;
    Que algumas destas vacas se tornavam também tão gulosas da manjedoura especial da caverna, que até perdiai o amor aos vitelinhos, deixando-os morrer de fome e fugindo, como por encanto, para que as ordenhassem, a moura ou as suas fadas;
    Mas que um dia um pastor ladino, receando se lhe perdesse a sua vaca, tomara a esperta resolução de se lhe agarrar à cauda, não a largando por muitas horas, até que, ao fim da tarde, lá foi misteriosamente vaca e pastor para dentro da caverna...
    Que, por fim, a moura recompensara o pastor com a munificência que lhe era própria, tapando-lhe primeiro os olhos, para ignorar o caminho da caverna, e enchendo-lhe em seguida o chapéu de carvões, recomendando-lhe muito que tivesse todo o cuidado de os colocar, à hora própria, no lugar da transformação...
    Que, porém, o pastor não fora esperto, pois nunca pudera compreender que era mister colocar aqueles carvões ao orvalho na manhã de S. João, ficando por isso pobre como dantes, em vez de ter assegurado para sempre a sua independência, pois aqueles carvões eram grande riqueza de ouro e pedrarias de inestimável valor. Mau foi que o orvalho os não cristalizasse. Seriam, com efeito, puros diamantes.
    Termina a lenda dizendo que, a começar da caverna, vai uma grande mina por debaixo daquela e de outras fragas, na distância de quase uma légua, a qual fora construída pelos gigantes para roubar a fonte dos de Moscosinhos, cuja água, límpida e cristalina, faz as delícias da moura e de seus guardas.

Source
PARAFITA, Alexandre A Mitologia dos Mouros: Lendas, Mitos, Serpentes, Tesouros , Gailivro, 2006 , p.356-357
Year
1885
Place of collection
São Tomé Do Castelo, VILA REAL, VILA REAL
Collector
Manuel de Azevedo (M)
Narrative
When
20 Century,
Belief
Unsure / Uncommitted
Classifications

Bibliography