APL 661 As Mouras da Alagoa

As pessoas mais idosas de Benquerença (Penamacor) contam, o que já ouviam a seus avós, que na Serra da Alagoa, situada no extremo poente da Serra d’Opa, havia um encanto de Mouras, e que na manhã de S. João vinham estender ao sol muitas meadas de linho. Feliz daquele que ali passasse e pudesse apanhar algumas, porque depois o linho transformar-se-ia em ouro. Essas mouras, diz ainda o povo, vivem encantadas com o seu tesouro e ai daquele que as seguir até ao encanto, pois será também enfeitiçado e encantado por uma enorme serpente. Porém, na manhã de S. João, quando vêm colocar o seu tesouro ao sol, as mouras são inofensivas. Numa destas manhãs, ao nascer do sol, quando regressava do moinho, passou pela Serra da Alagoa uma criança chamada José Passos, e viu o estendal de meadas. Foi dar conta à mãe do que vira, e ela disse-lhe que fosse imediatamente ao local apanhar algumas. Sucedeu porém que o José Passos, ao chegar à Serra só encontrou pegadas, que deveriam ser das mouras quando vieram recolher o tesouro. A criança, hoje homem, contou o que fica escrito. Outro pastor, chamado Manuel Tarrinha, falecido há pouco tempo, relatava que andando com o gado a estrumar a Serra, ouvia, certas noites próximas do S. João, um ruido que lhe parecia vir de dentro da terra. Em sua opinião era produzido pelas mouras e pela tal serpente que, segundo a crença popular é, nada mais nada menos, do que um príncipe mouro encantado que vive com as mouras, e só na manhã de S. João toma a forma de homem, voltando ao encantamento logo que soa o meio-dia. Na voz do povo de Benquerença, as mouras da Serra da Alagoa continuarão o seu fadário até que algum moço atrevido seja capaz de dar um beijo a uma moura e outro beijo à serpente, porque só assim se quebrarão os encantos. Como se calcula, para isso será necessária muita coragem! Arrostado o perigo do beijo à serpente, esta transformar-se-á naquele belo moço ou príncipe mouro de que já se falou. Mas, como não houve nem haverá nenhum moço tão corajoso que queira arrostar com o perigo de ser morto pela serpente ou de ficar encantado, o encanto das mouras da Serra da Alagoa continuará, com certeza, por séculos sem fim, como facto indiscutivel nas mentes simples e ingénuas do povo de Benquerença.

Source
DIAS, Jaime Lopes Contos e Lendas da Beira , Alma Azul, 2002 , p.70-71
Place of collection
Benquerença, PENAMACOR, CASTELO BRANCO
Narrative
When
20 Century, 50s
Belief
Unsure / Uncommitted
Classifications

Bibliography