APL 2396 O Menino dos Olhos Grandes

O menino dos olhos grandes, dizem-me os pescadores e não só, que viam uma criança a chorar. Uns iam para o mar, outros iam para a vida e que ouviam a criança a chorar e perguntavam:
- “Então o que é que fazes aqui, quem é que te deixou aqui?”
- “Ai eu quero ir para casa, perdi-me, não sei onde moro!”
- “Então e onde é que moras?”
- “É para além, é para além…”
Então as pessoas pegavam nele ao colo, diz-se que andavam um bocado e quando pegavam era levezinho, era o peso de uma criança normal, mas uns metros depois de pegar, ele começava a pesar, começava a ser um peso cada vez maior, então as pessoas punham-no no chão e diziam: “Ainda agora não pesavas, como é que já pesas tanto?”, punham-no no chão e quando punham no chão já não era uma criança pequenina, já era uma criança maior e com os olhos muito grandes e então as pessoas começavam a fugir e diz-se que ele dava dentadas às pessoas e volta e meia andava a fazer judiarias, punha-se a chorar, que queria ir para casa.

E do menino dos olhos grandes é o que eu sei, que contavam os antigos, que era uma criança pequenina que estava para ali e umas pessoas que vinham do campo para o mercado, outros que vinham para o mar, outras vinham fazer a vida e viam-no mas tudo isto era antes do sol nascer. Houve um dia que um homem que era mais musculoso foi até ali ao pé do largo da feira, da escola desde aqui na rua 18 de Junho, andou com ele mas o homem sentia cada vez mais peso e depois chegou ao largo da feira e disse-lhe:
- “Mas afinal, tu não pesavas nada e agora pesas tanto?”
E diz que, ao olhar para o homem, disse:
- “Agora olhaste para mim, viste-me, sabes quem eu sou, redobras-te o meu encantamento! E agora hás-de ser um homem desgraçado para o resto da tua vida até à tua quinta geração!”
As outras pessoas punham-no no chão e assustavam-se porque já não era a criança pequenina e fugiam, mas este como era mais corajoso, segundo consta, pôs no chão, olhou-o bem e disse:
- “Afinal tu não és uma criança! Quem és tu?”
E então ele diz, tinha aqueles olhos grandes, os olhos até pareciam luzes, amaldiçoou o homenzinho e disse:
- “Eu sou o menino dos olhos grandes e agora hás-de ser desgraçado até à tua quinta geração porque tu olhaste-me e viste-me!”
Então diz-se que esta família deste homem foi amaldiçoada por ele e acho que na realidade foi mesmo até à quinta geração, mas quem era a pessoa não posso dizer porque não me lembro. Nunca me disseram nomes mas acho que esta família foi mesmo amaldiçoada.

Source
AA. VV., - Arquivo do CEAO (Recolhas Inéditas) Faro, n/a,
Year
2008
Place of collection
Olhão, OLHÃO, FARO
Collector
Nadine Pescada (F)
Informant
Marcelina Machado (F), 69 y.o., born at Olhão (OLHÃO),
Narrative
When
20 Century,
Belief
Unsure / Uncommitted
Classifications

Bibliography