APL 2472 Lobisomem

Informante
Vinha-me embora lá de cima, vinha com os mocinhos, ia um bocadinho lá em cima à da minha mãe. Fechava as portas e ia-me embora. Chegando aqui, ao pé da casa da minha cunhada, que é aqui nesta rua. Oh filha, eu vou pelo mesmo sítio que me levaram. Começam os uivos nesse largo tão grande, eu disse assim, e que é que eu fui dizer: Santíssimo Sacramento. Oh filha, ele larga um uivo tão grande, que a avó teve que fugir (risos) e havia de dizer assim. Havia de dizer de outra maneira, fui dizer Santíssimo Sacramento. O gajo dá um uivo tão grande, que eu tive de fugir. As pessoas também ouviram, tiveram todas que fugir. Olha filha, estava ali no largo, era um homem, a avó sabe quem era o homem que se fazia assim, chamava-se o Zé Coxinho, que morava aqui nesta rua. E fazia-se em Lobisomem.

Colector: Porquê?

Informante: Era mesmo lobisomem ele. Fazia-se no cão, fazia-se em tudo. A minha tia, quando a minha tia ia lá abaixo, ele ia sempre atrás da minha tia, punha-se em cão. Tornava-se num cão, filha. A minha tia dizia assim para ele: Vais-me acompanhando, mas eu sei que tu és o Zé Coxinho, não te rias pela minha frente com esses dentinhos. (risos). A minha tia dizia assim: não te ponhas a rir aí pela minha frente para me assustares, dizia a minha tia, que eu sei que tu és o Zé Coxinho. E ele, quando a minha tia dizia isto, ria-se. Mas tinha boca de cão, de rir-se. Depois a gente foi. Olha, fugi, quando eu disse Santíssimo Sacramento, fugi para a da minha mãe. As pessoas que vinham daquele lado, fugiu tudo. Os uivos eram tantos que o lobisomem dava que entoava esta parte toda aí filha. Era ele, era ele. Olha foi horrível (risos), a avó fugia.

Colector: E ele tornava-se porquê?

Informante: Porque o mal foi eu dizer Santíssimo Sacramento. Eu disse Santíssimo Sacramento foi pior.

Colector: Então a avó devia ter dito o quê?

Informante: A avó devia ter dito filho do Diabo. Não. Eu não disse Santíssimo Sacramento, disse filho do Diabo, assim é que foi. Havia ter dito era Santíssimo Sacramento em vez de dizer filho do diabo. Ora, disse filho do diabo, o homem ainda se assanhou pior. Deus um uivo tão grande que a avó fugiu, que eu sei que ele vinha atrás. (Risos). Foi horrível.

Colector: E era um cão normal?

Informante: Quer dizer ele estava feito em cão. A uivar assim.

Colector: Mas era um cão? Via-se que era um cão?

Informante: Sim, um cão. Ele tornava-se num cão. Ele era pequenino mas tornava-se num cão.

Colector: E ele fazia mal às pessoas?

Informante: quer dizer, ele assim não fazia mal, mas podia fazer. Assim como eu disse aquilo, filho dum Diabo, havia dizer Santíssimo Sacramento, disse filho do Diabo, assim é que foi a minha palavra. Ora disse filho do diabo, ainda pior foi. Falei do Demónio, ainda pior foi para ele. Ai filha assanhou-se, eu corri para a minha mãe, e disse assim: ai mãe. E a minha mãe disse assim: a gente está aqui a ouvir, mesmo ela dizendo que ouviu ali à porta, foram se meter em casa. Ouviu os uivos que ele dava. Eram horríveis, filha, cala-te para aí (risos).

Source
AA. VV., - Arquivo do CEAO (Recolhas Inéditas) Faro, n/a,
Year
2007
Place of collection
Quarteira, LOULÉ, FARO
Collector
Cátia Jeremias (F)
Informant
Maria Assunção Jeremias (F), 77 y.o., born at Quarteira (LOULÉ),
Narrative
When
20 Century,
Belief
Unsure / Uncommitted
Classifications

Bibliography