APL 911 A moura de lamas de vilarelho

Mourilhe é uma pequena povoação, sita na Terra Fria, perto da vila de Montalegre. O seu nome já faz lembrar a presença de mouros e deixa antever a existência de lendas populares que, quase sempre, lhes estão associadas. Os seus habitantes viviam da criação de gado, sobretudo bovino.
 A três quilómetros da aldeia, há um grande baldio chamado Lamas de Vilarelho, de boa terra e muita água, que produz pastagens abundantes. Era para lá que os pastores levavam os animais a pastar, quando o tempo o permitia. E era de lá que traziam a erva, que secavam e guardavam nos palheiros para os dias agrestes de inverno, quando a neve não os deixava sair.
 Contam os mais velhos que, outrora, um jovem pastor para lá se dirigiu com os bois, como fazia habitualmente. Mas, nesse dia, teve uma grande surpresa: encontrou, no lado oposto do lameiro, junto à boca da mina, donde jorrava a água que regava a erva, uma tenda armada, com a porta voltada para nascente.
 Ficou muito admirado, pois nunca lá vira semelhante coisa. Cheio de curiosidade, aproximou-se para ver quem teria tido a ideia peregrina de ali fazer campismo.
 Quando lá chegou e deu a volta para ver a porta da tenda, nem queria acreditar no que via. À sua frente, estava uma linda rapariga, de aspecto quase irreal, como se fosse uma personagem dum conto de fadas, a estender uma enorme variedade de objectos de oiro. Ele eram “arrecádias”, ele eram brincos, ele eram cordões, ele eram anéis, um nunca acabar de coisas lindas como nunca vira nem sequer sonhara na sua vida!
 Maravilhado com tal visão, não tirava os olhos do oiro, esquecido já da linda donzela.
 A jovem, que durante algum tempo o observou, calada, quebrou o silêncio e disse-lhe, sorrindo:
 - Estás para aí com os olhos espeterrados no oiro e não olhas para mim. Todo este oiro é meu e pode também ser teu se conseguires quebrar-me o encanto e casar comigo. Para isso, basta dizer que me amas.
 Mas o rapaz pareceu não ouvir as palavras da moira e continuou de olhos fixos naquele cobiçado tesoiro.
 De novo a donzela tomou a palavra para lhe perguntar:
 - De tudo o que vês, de que é que gostas mais?
 O jovem, sem levantar os olhos, apontou para uma navalha muito bonita que lhe atraiu particularmente a atenção.
 A moira, apaixonada pelo zagalo, tentou obter dele a desejada declaração de amor que lhe quebraria o encanto e perguntou-lhe:
 - Gostas mais da navalha ou de mim?
 O rapaz, sem dizer uma palavra, apontou com o dedo para a navalha, fascinado pelo seu brilho.
 Então, a moirinha, desenganada e triste, acrescentou:
 - Fizeste a escolha errada, para teu mal e minha infelicidade. Tu continuarás pobre e eu continuarei encantada. Olha que a riqueza não é o mais importante na vida. O amor vale mais do que todo o oiro que há no mundo. Mas escolheste, está escolhido. Pega na navalha e fica com ela: é tua.
 Dito isto, desapareceu, juntamente com a tenda do oiro.
 O pastor, na posse da cobiçada navalha, pôs-se a afagá-la com a mão, para sentir a volúpia da sua macieza e ter a certeza de que era mesmo sua. Nunca tivera brinquedos caros na sua vida, o que lha dava uma sensação ainda mais gostosa.
 Com a satisfação, nem reparou no desaparecimento da moira e da tenda e retirou-se para junto dos bois, sem desviar os olhos da sua querida navalha.
 Chegada a hora de recolher o gado, guardou-a cuidadosamente no bolso das calças, não fosse alguém vê-la e roubar-lha.
 Quando chegou a casa, os pais, notando-lhe um brilho nos olhos e uma expressão no rosto, que não eram habituais, perguntaram-lhe porque vinha tão contente; e ele contou-lhes o que tinha acontecido.
 Como eles não acreditaram naquela história mirabulante, o filho, para provar a veracidade das suas palavras, meteu a mão ao bolso e puxou da navalha de oiro que a moira lhe oferecera.
 Mas, quando olhou para ela, sentiu uma estocada na cabeça e uma pancada no coração, quase desmaiou. É que a sua navalhinha de oiro, amarelo e luzidio, tinha-se transformado num objecto de carvão, negro e baço.
 Só então se recordou das palavras da moira, quando ele lhe disse que gostava mais da navalha do que dela:
 - Fizeste a escolha errada, para teu mal e minha infelicidade: tu continuarás pobre e eu continuarei encantada.
 Arrependido da sua leviandade, correu pressuroso ao lameiro para falar com a moira e dizer-lhe que a amava, mas em vão: a moira, escondida dentro da mina, nunca mais apareceu.
 Daí em diante, tudo aconteceu como a moira anunciara:
 O pastor teve de continuar a guardar os bois, nas Lamas de Vilarelho; e a moira teve de continuar encantada, no interior da mina, a guardar ciosamente o seu tesoiro maravilhoso.

Source
FERREIRA, Joaquim Alves Lendas e Contos Infantis Vila Real, Edição do Autor, 1999 , p.58-60
Place of collection
Mourilhe, MONTALEGRE, VILA REAL
Narrative
When
20 Century, 90s
Belief
Unsure / Uncommitted
Classifications

Bibliography