APL 1191 As almas a penar

Em uma noite de, frio inverno alguém passou junto do adro da igreja, e, sentindo passos cadenciados, espreitou, curioso, vendo duas fileiras de mulheres velhas e novas, trajando umas pesado luto, outras vestidas de branco; e, parecendo-lhe ver no meio delas um ente querido, seguiu-as até às portas da igreja. Porém, a última a entrar, ao fechá-las, olhou para trás e disse-lhe: vai-te embora, deixa em paz os mortos!...» Na noite seguinte, mais curioso ainda, voltou ao adro, tendo visto a mesma scena da noite anterior. Cheia de coragem aproximou-se, reconhecendo o lindo rosto de uma irmãzinha falecida havia poucos anos. Vindo à fala, pediu-lhe que o deixasse ir com ela; e, tomando-o pelo braço, levou-o comsigo. Fechadas as portas, ainda pôde ver, ao frouxo clarão da alâmpada, abrir-se o soalho da capela-mor, e descerem longa escadaria, que os levou a uma galeria profunda cheia de denso fumo de cheiro acre.
 — Que é isto? Preguntou.
 — «É o purgatório; êste fumo vem do inferno; é aqui que as almas se purificam, e daqui saem a penar uma boa parte do ano pela terra». O cheiro era insuportável, julgou asfixiar. Pediu à companheira que o guiasse até à saída; mas esta disse-lhe: «espera que venham outras almas a penar e segue-as; não te reconhecerão». Decorridos momentos, que lhe pareceram séculos, passou outra multidão de almas e seguiu-as. Ao transpor o limiar das portas da igreja, ouviu uma voz que lhe dizia: «vai, e não voltes aqui, diz ao mundo o que sofremos».

Source
MARTINS, Pe. Firmino Folklore do Concelho de Vinhais. Vol. 1 s/l, Câmara Municipal de Vinhais, 1987 [1928] , p.83-84
Place of collection
VINHAIS, BRAGANÇA
Narrative
When
20 Century, 90s
Belief
Unsure / Uncommitted
Classifications
Types
Christiansen [4015] A missa da meia-noite dos mortos

Bibliography